domingo, 18 de abril de 2010

Crianças com distúrbios de aprendizagem podem ser tratadas e são capazes de levar uma vida normal


Walt Disney, Albert Einstein, Leonardo da Vinci, Tom Cruise e Fernanda Young. Estas celebridades compartilham uma característica com 15% da população brasileira: a dislexia, um dos distúrbios de aprendizagem mais comuns. De origem genética, a condição causa uma dificuldade de associação entre letras ou números e seus respectivos sons, dificultando a alfabetização e podendo afetar também a memória recente dos pequenos. "A dislexia não é um distúrbio relacionado a QI baixo", afirma a Dra. Maria Ângela Nogueira Nico, fonoaudióloga, psicopedagoga e coordenadora científica da Associação Brasileira de Dislexia (ABD).

Distúrbios de aprendizagem podem surgir como decorrência da dislexia, ou como transtornos independentes. É o caso do déficit de atenção e da hiperatividade, que completam o rol de condições mais comuns. Originados de alterações neurológicas, ambos dificultam a socialização e o aprendizado.

O déficit de atenção é uma dificuldade na filtragem dos estímulos externos, o que faz com que a criança não consiga prender a atenção ou esforço durante muito tempo em uma determinada atividade, resultando em um comportamento disperso e evasivo. Já a hiperatividade é associada à incapacidade de processar adequadamente as idéias e símbolos do ambiente, fazendo com que a mente da criança tente dar conta de tudo que acontece ao seu redor simultaneamente,
sem se fixar durante muito tempo em um único aspecto. Esta alteração traz agitação e estresse, chegando até mesmo a gerar distúrbios de sono ou problemas psicológicos.

Formas mais brandas de transtornos de aprendizagem podem surgir como resultado do ambiente escolar ou familiar, e causar as mesmas dificuldades que uma alteração neurológica ou genética. É o caso de crianças submetidas à grande pressão por resultados, como notas altas e desempenho, ou que possuem um cotidiano agitado, com diversas atividades durante o dia. Condições deste tipo também podem ser causadas por escolas que não possuem uma metodologia de ensino adequada ou oferecem pouca interação entre professores e alunos, originando um sentimento de revolta e falta de interesse que dificulta o aprendizado.

Identificação e Tratamento

"Existe um conhecimento muito superficial em relação a esses distúrbios, e muitos comportamentos normais acabam sendo tachados como problemas de aprendizagem", conta a Dra. Juliana Zantut Nutti, psicóloga e professora de especialização em Psicopedagogia da Unicep. "Com três anos de idade, uma criança pode ser agitada e dispersa sem que isso caracterize hiperatividade", completa. Para a médica, um diagnóstico preciso dificilmente pode ser feito antes dos seis anos de vida, época em que costuma iniciar a vida escolar. 

Algumas condições, porém, causam uma predisposição aos transtornos de aprendizagem e podem ser observadas desde cedo. Gravidez de risco, uso de drogas ou álcool pela mãe, sofrimento da criança durante o parto ou traumatismos sofridos por ela após o nascimento podem causar problemas neurológicos que, mais tarde, possibilitam o desenvolvimento de hiperatividade ou déficit de atenção. No caso da dislexia, a existência de familiares próximos que também sofreram do distúrbio pode indicar uma propensão à existência do problema também na criança. "Um pré-natal adequado, crescimento normal do feto e a inexistência de hereditariedade são grandes indícios de que transtornos de aprendizagem não serão desenvolvidos", afirma Nutti. Ainda assim, mesmo quando constatada uma condição neurológica ou genética, é difícil diagnosticar uma alteração no aprendizado antes do início da idade escolar, mas, sabendo-se da propensão, é possível redobrar a atenção.

Em todos os casos, certos padrões e marcos no desenvolvimento cognitivo e físico da criança podem ser observados em busca de indícios da existência de um distúrbio. Normalmente, os pequenos dão os primeiros passos com um ano e meio de vida, são capazes de se comunicar entre os três e quatro anos de idade e, aos seis, já possuem capacidade de convívio e de fazer amigos. 

Uma demora muito além destes períodos pode indicar a existência de transtornos de aprendizagem. Ainda de acordo com Nutti, um dos sinais de que tudo está correndo bem no desenvolvimento da criança é quando ela brinca adequadamente, ou seja, de várias maneiras diferentes e com diversos brinquedos, sozinha ou acompanhada, e com criatividade. "As alterações de aprendizado englobam também diversos outros aspectos do comportamento social e desenvolvimento. Normalmente, a primeira pergunta que faço aos pais preocupados com a existência deste tipo de condição é 'seu filho brinca bastante?'", termina.

Um diagnóstico adequado, porém, só pode ser feito por um psicoterapeuta, que é o profissional responsável pela identificação e estudo de transtornos de aprendizado. É ele quem encaminha a criança aos médicos competentes, de acordo com a condição identificada. A constatação de um distúrbio neurológico, por exemplo, é realizada por meio de encefalogramas e raios X do crânio. No caso de problemas de linguagem, o pequeno é tratado por fonoaudiólogos e professores especializados. Caso a condição tenha afetado também a autoestima e a personalidade, é necessário o acompanhamento de um psicólogo.
Para a maioria dos distúrbios, não é possível indicar um tempo mínimo de tratamento, pois o período depende da intensidade da alteração e da complexidade do caso. Enquanto em determinados casos os sinais de diminuição nos efeitos aparecem após anos de cuidados, em outros pode haver melhora já nas primeiras atividades com o psicopedagogo. No caso da dislexia, por exemplo, um acompanhamento pode ser necessário durante toda a vida, mas os efeitos são minimizados até que se atinja um padrão de vida normal.

De acordo com a coordenadora científica da ABD, os pais podem auxiliar os filhos levando-os a livrarias para escolher um livro. Em casa, devem dividir a leitura com as crianças, alimentando a confiança dos pequenos para, aos poucos, submetê-los às situações de convivência normal. Para os mais dinâmicos, a dica é levá-los ao cinema, deixando-os escolher um filme, de preferência legendado, auxiliando-os na leitura dos textos e conversando posteriormente sobre aquilo que acabou de ser assistido.

A Dra. Nutti também faz um apelo aos pais. "Não acreditem em testes de revista, pois normalmente estes temas acabam caindo no sensacionalismo." Ela também avisa que se deve tomar cuidado com a opinião de professores, pois muitas vezes eles não são qualificados para perceber a existência de transtornos de aprendizagem e acabam potencializando pequenas características normais das crianças, sem saber da gravidade do que estão afirmando. "Na dúvida, consulte uma psicopedagoga", completa.

Métodos alternativos

A advogada Carla Cristina Chiappim é mãe adotiva de César, garoto de quatro anos de idade que possui os distúrbios de déficit de atenção e hiperatividade. De acordo com ela, o garoto possuía um comportamento normal até os dois anos de idade, quando passou a se tornar agitado e nervoso. Em seu terceiro aniversário, ele não conseguia se concentrar em nada por mais do que alguns minutos, e começou a apresentar dificuldades de fala e desenvolvimento motor. "Eu achava que uma criança hiperativa não parava nunca, e ele tinha seus momentos de calma. Fiquei muito em dúvida", conta ela, que, mesmo assim, procurou uma neurologista, e foi encaminhada a uma psiquiatra infantil.

Devido à sua pouca idade, o diagnóstico de César ainda não é definitivo. Porém, ele vem sendo tratado, desde março do ano passado, por um psicólogo que receitou a utilização de Ritalina, um dos medicamentos mais indicados no tratamento do déficit de atenção e da hiperatividade. "Existe muito preconceito em relação ao uso de remédios para crianças, e muitos pais chegam a interromper o tratamento quando este recurso é necessário. Em doses controladas, porém, ele é capaz de ajudar e muito", conta Carla. César está sob os cuidados de uma fonoaudióloga para reverter suas dificuldades de fala.

Carla também é partidária de métodos alternativos, procedimentos não relacionados ao tratamento de distúrbios de aprendizagem, mas que podem causar bons efeitos às crianças. De acordo com ela, uma das atividades que mais surtiram efeito no garoto foi a equoterapia, que utiliza a cavalgada e o convívio com cavalos como forma de desenvolver a coordenação motora. A mãe também indica a natação que, de acordo com ela, tem como principal ponto positivo a capacidade de acalmar as crianças. "Além dos cuidados clínicos, é importante buscar outras opções que também podem ser benéficas", diz.

A principal diferença no comportamento de César foi observada na escola. Antes de iniciar o tratamento, ele não conseguia permanecer sentado na carteira por muito tempo e chegou a subir em uma mesa para provocar a professora. Como o colégio é dirigido por uma psicopedagoga, hoje o garoto recebe atenção especial e obteve uma melhora considerável em seu desempenho e atenção. Com a mudança de ano, César apresentou resultados ainda mais positivos, relacionando-se bem com sua nova professora e com os colegas de sala.

Informações e Iniciativas

"Muitos tinham vergonha e medo de falar sobre o assunto, pois a dislexia e outros distúrbios eram condições desconhecidas. Com o avanço das pesquisas e do acesso à informação, a preocupação com esta condição foi ampliada", afirma Dra. Nico com otimismo. A Associação Brasileira de Dislexia, onde trabalha, existe há 25 anos e é a única parceira global no Brasil da IDA (International Dyslexia Association), entidade reconhecida mundialmente como referência no estudo e tratamento do distúrbio.

A ABD disponibiliza avaliação e tratamentos constantes, assim como encaminhamento e grupos de discussão para disléxicos. Promove também simpósios nacionais e internacionais, além de cursos de especialização profissional. 30% dos atendimentos realizados na Associação fazem parte de um programa de assistência à população carente, que oferece suporte àqueles que não teriam possibilidade de se tratar adequadamente na rede pública de saúde.

Em São Paulo, o Governo do Estado está iniciando o desenvolvimento de um programa de trabalho com transtornos de aprendizagem nas escolas públicas, colocando dois professores em sala para melhor trabalhar os conceitos ensinados e auxiliar os alunos com mais dificuldades. Nas particulares, é comum a presença constante de um psicólogo. Focando-se ainda mais nos transtornos, algumas começaram a investir também na contratação de psicopedagogos, que podem dar início ao tratamento ainda dentro dos colégios.

Nos Estados Unidos, existem algumas escolas próprias para educação e tratamento de transtornos de aprendizado. "As crianças com este tipo de condição não precisam de colégios diferenciados. Muitas vezes, elas só precisam de alguém que confie nelas", conclui a médica.


Felipe Demartini
Publicação: Outubro 2009 - Edição: 34

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