Na novela, no noticiário e na vida real, a agressão sexual contra crianças cometida por elas é minoria. Mas existe.
Foto: Divulgação/TV Globo
O personagem de Marcello Anthony na novela "Passione" revelou ter sido abusado por uma mulher na infância.
Minoria, sim, mas não inexistente. A psicóloga do hospital Pérola Byington Daniela Pedroso, especialista em violência sexual contra crianças e adolescentes, por exemplo, estima que o número de casos em que uma mulher é a agressora deve ficar em torno de 5% do total. “Fica mais oculto. A denúncia de casos de abuso sexual de forma geral já acontece apenas entre 10% e 20% das vezes que acontece. No caso das mulheres, então, muito menos”. Uma das poucas estatísticas disponíveis é a da percentagem de mulheres encarceradas por delitos sexuais nos EUA – do total de presos naquele país por crimes dessa natureza, as mulheres chegam a 3%.
Se não é inexistente, não é insignificante. Pelo menos não para as vítimas. “Fui seduzido, abusado. Tive minha adolescência toda roubada”, diz o produtor teatral Davi Castro, 28 (leia o depoimento completo aqui). Ele conta que começou a ser abusado por uma professora aos onze anos. Ela convenceu a família do menino a deixá-lo viver com ela, com a promessa de uma vida melhor e mais abastada. Davi então passou a ser amante da professora, casada, dentro da casa dela. Quando ele tinha treze anos, ela engravidou de uma criança que sempre disse ser seu filho – hoje ela se recusa a fazer o teste de DNA. Só aos 19 anos, Davi conseguiu se desvencilhar da situação. “O pedófilo não tem sexo, não é homem nem mulher, é uma pessoa doente”, diz Davi, que contou sua história no livro “Tia Rafaela” (Ed. Panda Books).
Nos últimos dias, dois casos distintos lembraram o país que a violência sexual vem em muitas formas.Uma professora suspeita de abusar de duas alunas de 13 anos foi presa no Rio de Janeiro. Na novela das oito, o personagem Gerson (Marcello Anthony), revelou que foi vítima de uma mulher na infância. Aos poucos, começa-se a falar no assunto.
Como acontece
É comum que a primeira ideia que se tenha quando se fala de abuso sexual seja a de vítimas de violência física. Mas esse tipo é também a minoria. Tradicionalmente, seja o abusador homem ou mulher, uma relação que embaralha afeto e confiança é estabelecida, e a vítima tem dificuldades até mesmo para entender que é uma vítima. “Eu achava que tinha vivido um romance. Achava que éramos namorados. Tinha ciúme dela”, conta Davi sobre a professora.
A confusão de papéis comum nos casos de abuso sexual é ainda mais intensa no caso de mulheres agressoras, o que pode contribuir para a dificuldade de identificação dos casos. São mães, madrastas, empregadas, professoras: os símbolos de afeto e aconchego das crianças. E as nuances do abuso também são muitas. Não é preciso que haja violência ou penetração para ser crime. Criar situações libidinosas como exibir o corpo, fazer brincadeiras sensuais, manipular a genitália são todas formas mais comuns de abuso. O primeiro beijo entre Davi e a professora, por exemplo, aconteceu quando ela propôs uma brincadeira de “trocar a bala”.
Apesar de ressaltar que a fatia feminina entre os abusadores é realmente muito menor que a masculina, com ou sem subidentificação, a professora Ana Lúcia explica que, se por um lado as pessoas podem estar superssensíveis ao desconfiar de qualquer contato mais próximo entre homens e crianças, no caso das mulheres “muita coisa passa despercebida, porque já se aceita que uma mulher passa carinho. O que está por trás disso ninguém nem questiona”.
Confusão
Um administrador paulista de 31 anos conta que, assim como o personagem da novela, conviveu com uma empregada que pedia que ele a acariciasse nua. “Eu tinha nove, dez anos. Me sentia mal, mas meu corpo respondia e eu achava que era isso que era ser homem”, conta. Quando as vítimas são do sexo masculino, o machismo entra como um elemento a mais no já confuso quadro: afinal de contas, nunca se espera que homens rejeitem sexo. “Se for com menino, muitas vezes é tido como iniciação. Ele sofre e não conta”, diz a professora Ana Lúcia. Davi Castro conta que isso contribuiu até para que seu pai demorasse a perceber que o filho era uma vítima. “Mesmo quando a situação já estava clara, ele via quase com orgulho, como se isso fizesse do filho dele mais macho”.
Em geral, a criança só começa a se dar conta do que está acontecendo com ela quando chega à puberdade ou à idade escolar, quando informações ligadas à sexualidade passam a fazer parte de seu cotidiano. “Também percebem quando aparecem casos emblemáticos na mídia, daí a importância de se falar do assunto”, reforça Daniela Pedroso. Davi concorda que o assunto deve ser mais discutido: “Está acontecendo muito, e se a gente falar mais do assunto os casos vão aparecer”, afirma. “Quando eu contava a minha história para os amigos, ouvia sempre ‘ah fulano quando era pequeno também teve um caso com a professora’ ou ‘meu primo namorou a empregada da casa’. Aí pensava: não foi só comigo”.
Achei muito bom essa postagem sobre esse assunto tão complicado na vida de tantas pessoas, essa informação deveria ser muito mais comentada em todos os canais de comunicaçao... falar e não esconder, como acontece muitas vezes com quem sofre essa violência.
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