Cuidado: a ânsia de perfeição pode acabar pondo em risco o desenvolvimento dos seus filhos e o seu próprio equilíbrio
Que os filhos devem ser prioridade na vida de uma mãe, disso não há dúvidas. Mas quando a vontade de sair para fazer as unhas se torna quase impossível de ser atendida – por razões que vão desde falta de tempo ao sentimento de culpa por deixar o filho em casa –, pode ser que a tal prioridade esteja mais para exclusividade, e que a “Síndrome da Mãe Perfeita” já tenha invadido a rotina materna. Prioridade e exclusividade são bem diferentes. E, de acordo com a psicoterapeuta Denise Pará Diniz, Coordenadora do Setor de Gerenciamento de Estresse e Qualidade de Vida da Unifesp, dedicar-se por tempo integral aos pequenos não é necessário – nem indicado.
“É preciso tratá-los com prioridade, principalmente nos primeiros anos, mas não se pode esquecer que os filhos também precisam conhecer a mãe como uma pessoa real, que possui qualidades, desejos e necessidades pessoais”, diz Denise. No entanto, por nem sempre ser fácil manter esse equilíbrio, é comum encontrar mães que organizam o dia a dia sempre em razão das atividades dos filhos e, entre elas, há até mesmo as que se esquecem ou acabam deixando de lado os papéis anteriormente desempenhados, como o de esposa e de profissional, por exemplo.
Há aquelas que procuram controlar todas as variáveis da vida para que o filho tenha tudo em mãos e não sinta falta de nada, mesmo quando a criança já está mais velha, e aquelas que, mesmo com os filhos mais crescidinhos, acabam deixando muitas outras atividades de lado por preocupação e sentimento de culpa. Estas atitudes, se não forem policiadas, podem gerar diferentes complicações na vida do filho. E também na vida da mãe.
Dedicação em xeque
De acordo com a antropóloga Gilda de Castro Rodrigues, autora do livro “O Dilema da Maternidade” (Editora Annablume), há muitos aspectos positivos trazidos pela maternidade. Mas um negativo pode ser crucial: a patrulha social. “A sociedade fica vigilante para qualificar as mães como boas ou ruins, e isso causa uma enorme angústia”, explica. Além disso, na maioria das vezes, o vínculo entre mãe e filho é muito forte e incondicional, e por serem elas as principais responsáveis pelo processo de socialização da criança, já é possível imaginar o quanto algumas acabam exigindo de si mesmas. No caso de Heliana Gabriel da Cunha, 41 anos, não há arrependimento na dedicação.
Mãe de Brunna e Lívia, de 10 e três anos, respectivamente, Heliana deixou de trabalhar quando recebeu o pedido da mais velha para que ficassem mais tempo juntas. “Ela ficava com a avó e eu a buscava depois do trabalho, então acabava participando pouco da vida dela”, conta Heliana. Atualmente, já não é o que acontece: “Eu praticamente vivo em função delas. Até arrumei uma babá quando a mais nova completou nove meses, mas sou eu que tenho que dar banho, dar comida, não saio de perto nenhum minuto. A babá acaba servindo para alguma possível emergência. Não as deixo sozinhas nunca, só quando elas vão para a escola”.
Embora faça tudo isso com satisfação, Heliana confessa que passou os últimos três anos sem dormir uma noite inteira. Sua filha mais nova sempre teve o sono muito inquieto e, se ela chora, a mãe precisa estar por perto. “Eu durmo com a babá eletrônica ao lado e qualquer barulhinho que ouço vou correndo até ela, com medo de que esteja vomitando”, explica. E ela nem é a primeira filha: “Dizem que segundo filho é mais fácil, mas para mim as duas estão sendo da mesma forma. Sou um pouco neurótica, mesmo”, admite.
Fantasia e exagero
Mas, para a psicoterapeuta Denise Pará Diniz, é realmente no início da criação do primeiro filho que mora o maior perigo. “É quando você começa a aprender a ser mãe, então a mulher pode ficar excessivamente preocupada”. Segundo Heloísa Schauff, psicóloga clínica especialista em Terapia de Casal e Família, é comum que as mães de primeira viagem fantasiem que tudo seja perfeito e acabem não conseguindo distribuir o tempo e atenção entre outras funções, além das que exigem os filhos. “Não é exatamente o desejo de ser perfeita, é um sentimento de não se achar boa o suficiente, de não estar fazendo o melhor que pode”, explica. E isso pode acontecer tanto para a mãe que não trabalha fora de casa quanto para a que trabalha.
Foto: Fabio Guinalz/AgNews
Alice e a mãe, Paula, assistem TV: "quero que ela cresça e seja feliz, mas ao mesmo tempo tenho vontade de não soltá-la mais"
“Para quem vive em cidade grande, por exemplo, sempre haverá a sensação de pouco tempo com a criança pela correria do dia a dia, mas é preciso lembrar-se dos limites que a mãe precisa ter”, recomenda a especialista. O conselho também é válido para as mães que estão sempre à disposição dos filhos – e acabam passando da conta. De acordo com Schauff, conforme a criança vai crescendo e adquirindo maior autonomia, algumas utilidades que a mãe possuía antes vão ficando para trás. “Apesar de sermos mães a vida inteira, independentemente dos outros papéis que estejam sendo desempenhados, é preciso permitir que a criança também experimente e amadureça”, explica.
É o que procura alcançar a professora Paula Belmino, de 35 anos. Há quatro anos cumprindo o papel de mãe de Alice com esmero, Paula conta que até hoje ainda fica ao lado da filha até que ela adormeça e, quando a deixa na escola, sofre até de taquicardia por medo do que pode acontecer enquanto estão separadas. “Ao mesmo tempo em que quero que ela cresça e seja feliz, também tenho vontade de querer grudar e não deixar mais crescer”, confessa. A filha se faz presente até nos momentos que ela tem para si só: “Eu me martirizo por sair sem ela. Quando vou ao shopping, por exemplo, ao invés de comprar coisas de que preciso, compro tudo para ela. Acho que toda mãe é um pouco louca”, observa.
Limite para o filho, limite para a mãe
E as crianças, o que ganham com a “Síndrome da Mãe Perfeita”? Nada de muito bom. “Se a mãe é muito permissiva e mima demais os filhos, eles crescem sem saber lidar com frustrações e têm dificuldades maiores que as outras crianças para lidar com as regras fora de casa”, diz Schauff. Se a criança não enfrenta estes desafios ainda dentro de casa, pode se acostumar a obter tudo como quer – e não é bem isso que acontece fora de casa. Na escola, por exemplo, ela tem que aprender a esperar sua vez e a dividir a atenção da professora com os colegas. O mesmo efeito de despreparo infantil pode acontecer se a mãe nunca sair de perto: “A criança vai precisando de outras relações e outras vivências em que sinta que faz as coisas por si só e se supera por si só”, completa Denise.
O mesmo problema pode acontecer com as mães. A mulher que fica cada vez mais em casa com os filhos – ao invés de assumir outras atividades à medida que eles vão crescendo – também pode estar com dificuldades para ter outras vivências, como voltar ao trabalho, e se adaptar a elas. Mas é preciso prestar atenção para certificar-se de que ser mãe em período integral é um plano pessoal, não apenas um esforço para seguir um valor cultural. “Se ela se organizou e quer viver aquilo, não faz mal. O que faz mal é passar dos limites e ter somente isso de dedicação exclusiva”, explica a psicoterapeuta.
Há também o caso de mães que, por terem questões mal-resolvidas com o trabalho ou com o marido, por exemplo, acabam focando somente na maternidade e tornam os pequenos o único mundo a ser vivido – um grande peso e até uma injustiça com a criança. “Por essas e outras que o comportamento de mãe e filho deve ser observado: se a mãe está mais depressiva e cansada e se o filho anda muito egocêntrico, birrento e sem amigos”, explica a psicoterapeuta.
A principal questão a ser esclarecida, porém, é de que a perfeição não existe. Segundo Schauff, o que mais importa é a qualidade do tempo passado com o filho, e não necessariamente a quantidade. “Existe o melhor que a gente pode dar e a necessidade do olhar com parcimônia: é importante ter o tempo para si mesmo, para a relação conjugal, e transitar com saúde e qualidade em todas as esferas. Só assim a criança verá a mãe feliz e satisfeita, o que é muito importante de ser notado”, explica a psicóloga. A partir da percepção de que não há exatamente uma medida ideal, é possível libertar-se das próprias expectativas exageradas e fazer o que é possível pelos filhos, acompanhando-os sempre com carinho e afeto, ultrapassando as fantasias para se tornar uma boa mãe de fato.
Renata Losso, especial para o iG São Paulo | 03/12/2010 16:24
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