Os pais nunca declararam amar tanto os filhos quanto agora. Eles fazem tudo o que podem e o que às vezes nem devem porque, por amarem tanto os filhos, não suportam vê-los sofrer. Esforçam-se para dar a eles o melhor da vida porque querem que os filhos tenham tudo o que eles próprios, quando crianças, não tiveram.
Estabelecem com os filhos um relacionamento aberto, íntimo e amigável porque não querem ser autoritários e distantes como foram seus pais. Enfim: os pais estão, hoje, apaixonados pelos filhos.
É compreensível: em um mundo no qual os laços afetivos entre os adultos estão sempre por um fio e se desfazem por qualquer bobagem, o clima de insegurança afetiva provoca novas buscas. Como a união com os filhos é a única que, atualmente, só a morte dissolve, ela tem servido como o porto seguro afetivo dos pais.
Para ter idéia de quão longe isso vai: uma diretora de escola de educação infantil no interior de São Paulo contou-me que, no Dia dos Namorados, vários ramalhetes de flores enviados pelos pais às filhas chegaram à escola. O problema está nas contradições que esse amor declarado tem apresentado.
Os pais que adoram tanto seus filhos contratam babás para ficar com eles diuturnamente, inclusive domingos e feriados. Vemos pais cujos filhos estão segurando nas mãos da babá ou no colo desta nos shoppings, nos cabeleireiros, nos consultórios, em hotéis, restaurantes etc. E ter babá dá muito trabalho! É seleção, busca de referências, treinamento e depois, se surgirem desconfianças, instalação de câmeras etc.
Mães e pais que dizem amar seus filhos sem medida fazem com que novos negócios prosperem em tempos de recessão.
Os pais vão a um casamento com os filhos? Não há problema. Os noivos contratam empresas de recreação que ficam o tempo todo com as crianças, para que os pais "curtam a festa sem restrições". Nas férias, os hotéis precisam ter uma equipe de monitores que, além de entreter as crianças, também almoça e janta com elas.
Por falar em férias, acampamentos para crianças rendem no período. Até pouco tempo atrás, eles recebiam só adolescentes. A demanda dos pais fez com que proliferassem locais que recebem crianças pequenas: os pais já podem mandar seus filhos a partir dos quatro anos (!) para uma temporada fora, com direito a "espiar" pela internet como eles se divertem!
Quando o filho faz aniversário e os pais querem demonstrar todo seu amor dando uma megafesta, sem problemas: contratam um bufê que cuida de tudo. E a escola, para ajudar, recebe autorizações de saída e organiza os convidados para colocá-los no ônibus que os leva da escola para o evento.
A falta de tempo dos pais tem sido usada para explicar tantas buscas de recursos. Mas esse estilo tem muito mais a ver com a nossa cultura. Amor demais sufoca e idealiza. Pode ser por isso que os pais apresentem tanta contradição: amam tanto a idéia de ter o filho que precisam ficar longe dele para, talvez, não perderem o filho que imaginam ou gostariam de ter.
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
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