terça-feira, 23 de agosto de 2011

Relação mãe-criança

 Relação Mãe-Criança


Essa relação, que se estabelece muito antes do nascimento da criança, ainda dentro do ventre materno, é um evento muito importante na organização da vida psíquica da criança. Por meio dessa relação, a criança vivencia suas primeiras experiências cognitivas, emocionais e também sua socialização.

A mãe, entendida como principal agente de cuidados, é elemento essencial para o desenvolvimento de muitos aspectos da criança, como sua percepção, seus pensamentos, sentimentos e até sua identidade.

Além disso, a criança, enquanto um ser independente, diferente e separado da mãe, participa ativamente dessa relação, uma vez que suas características (fofinha, gordinha, bonitinha, engraçadinha, cheirosinha, pequenininha, inocente, ingênua, espontânea) evocam na mãe comportamentos de responsabilidade e de cuidados, o que acaba por harmonizar e sincronizar a relação.

Quer dizer, na relação mãe-criança, a mãe realiza-se quando cuida, sente-se útil e importante, e a criança progride e desenvolve-se (realiza-se também) quando recebe a atenção e os cuidados da mãe. Esses ganhos mútuos estão presentes desde o início do desenvolvimento social da criança.

Ao refletirmos sobre a maternidade, é comum que nos venha à mente expressões como “instinto materno”, “coração de mãe” e ditados como: “ser mãe é padecer no paraíso”, ou “depois que filho tive, nunca mais barriga enchi”. Vejamos o que pode estar por trás dessas expressões e que acabam por influenciar nossos conceitos sobre a maternidade.

Entendemos por “instinto materno” algo inato e natural que faz com que as fêmeas de diferentes espécies, inclusive da espécie humana, tenham comportamentos de proteção e de afeto em relação a sua prole. Esses comportamentos podem ser observados claramente entre os mamíferos. Nós vemos e achamos uma gracinha a leoa lambendo seus leõezinhos. Nós vemos e achamos admirável a leoa combatendo um predador, como um leopardo, e morrendo em combate para proteger seus filhotes. E achamos que isso é algo natural e inerente do “ser mãe”. O que nos deixa intrigados e chocados são os casos de mães que fazem exatamente o contrário do que nos diz o tal “instinto materno”. Ficamos chocados com mães que abandonam seus filhos, que os negligenciam, que os maltratam, que os matam... O que será que acontece com essas mães? Onde está o instinto materno nesses casos?

Esses casos nos ajudam a afirmar que certamente a maternidade não é composta apenas por um elemento instintivo e natural. Muitos outros aspectos estão envolvidos na experiência da maternidade e ouso dizer que a maior parte dos comportamentos que usamos para julgar se uma mulher é uma boa mãe são comportamentos aprendidos e não inatos ou instintivos.

Isso quer dizer que nós aprendemos a ser boas mães. Como é que nós aprendemos? Na prática, na lida diária com nossos pimpolhos, observando o comportamento de outras mães, ouvindo e lendo histórias sobre a maternidade, conversando com nossas próprias mães, tias, avós... Aprendemos a partir do apoio social dos nossos amigos e dos nossos familiares, das dificuldades que aparecem no dia a dia e que nos obrigam a nos renovarmos, a nos reciclarmos, a nos modificarmos.

Então, o instinto materno certamente existe e exerce grande influência sobre nossos comportamentos de cuidado e de proteção em relação aos nossos filhos. No entanto, nossa relação com nossos filhos vai muito além dessa esfera “natural”. Nossa relação sofre influência marcante da cultura, do ambiente social, religioso, financeiro, da nossa saúde física e mental, do nosso acesso a educação, lazer, trabalho, descanso, dignidade, reconhecimento...

Uma mãe que é desvalorizada socialmente, que sofre cronicamente com dificuldades financeiras ou dificuldades emocionais, que não tem apoio na família, que sofre maus-tratos do marido, que não tem acesso a educação, nem à saúde, nem ao lazer, tem mais chance de ter o “instinto materno” diminuído, anulado ou até abolido.

Agora vamos falar da expressão: “coração de mãe”. Como é o coração de uma mãe? É diferente de outros corações? Nós tendemos a pensar que sim. Quando pensamos na mãe, geralmente associamos a ela a característica de ser fonte permanente de amor, um amor incondicional, que tudo perdoa. O coração de mãe é enorme e abriga muitos filhos. O coração de mãe é acolhedor, quentinho, aconchegante, confortável. Nós sempre vamos encontrar amor, nutrição, carinho e segurança nesse espaço mágico que é o “coração de mãe”. Talvez essa idéia derive da segurança que cada um de nós um dia vivenciou no útero materno...

O paradoxo é que esse coração cheio de amor maternal compõe uma mulher que não é apenas mãe. Essa mulher é esposa, é tia, é profissional, é irmã, é filha também. Portanto, nós, mulheres e mães, temos coração de mãe e vários outros corações dentro do peito: coração de esposa, profissional, irmã, tia, filha... E no peito de uma mulher não existe só amor, mas outros sentimentos como vergonha, raiva, tristeza, culpa, medo, ansiedade, paixão... O que quero dizer é que a mãe que cuida, que abraça, que acolhe, que alimenta e protege também esbraveja, também grita, também chora, também precisa de colo e de proteção. Porque a mãe é humana, simplesmente humana. Nós não ganhamos super-poderes quando nos tornamos mães, embora para a criança possamos ocupar o lugar de heróis. O importante é que na relação mãe-criança, a mulher não permita que seu coração se transforme apenas em “coração de mãe”. No peito da mulher deve haver espaço para baterem os outros corações. Isso é saudável psicologicamente para a mulher e, por isso, extremamente importante para a relação que a ela vai estabelecer com a criança. Mães bem estruturadas psicologicamente contribuem para o bom desenvolvimento psicológico de seus filhos.

Agora os ditados: “ser mãe é padecer no paraíso”, ou “depois que filho tive, nunca mais barriga enchi”. Pode parecer estranho, mas esses ditados denunciam o enorme valor que a nossa sociedade dá ao sofrimento da mulher e ao seu sacrifício. Em outras palavras, vale mais quem sofre mais. Vejam só: ser mãe é padecer no paraíso... quer dizer, ser mãe é sofrer... mas com alguma compensação. E, se não houver o padecimento, talvez não haja acesso ao paraíso. Desse modo, a maternidade é pintada como algo inerentemente sofrido, a partir do qual se alcançará o júbilo, a alegria, a felicidade... O ditado “depois que filho tive, nunca mais barriga enchi”, também fala desse padecimento. Ou seja, eu sofro, eu me sacrifico pelos meus filhos e isso é inerente à tarefa de ser mãe.

Pensando sobre isso, e associando essas idéias à minha própria experiência como mãe e ainda à minha experiência como terapeuta infantil (eu converso com muitas mães), eu percebo que a maternidade envolve sim prazer e sofrimento. Nunca encontrei uma mãe que dissesse que a maternidade só lhe trouxe prazer, sem nenhum nível de sofrimento! Por outro lado, já encontrei mães que relatam que o sofrimento que está presente na relação mãe-criança é muito maior que o nível de prazer... Nesses casos, geralmente, há que se intervir na relação, observar o que é possível fazer para, ao menos, equalizar o prazer e o sofrimento...

De fato, ser mãe exige muito da gente... A criança exige tempo, dedicação, dinheiro... Ela exige disposição física e mental, 24 horas por dia, sem folgas! E isso pode nos deixar cansadas, algumas vezes exaustas, porque, como falamos antes, além de sermos mães, executamos outros papéis, que exigem de nós muita disposição também! Então, uma tarefa importante da mãe na relação mãe-criança é administrar seus níveis de prazer e sofrimento, procurando manter um equilíbrio entre essas duas forças, nutrindo-se de situações agradáveis com a criança, situações onde mãe e criança possam se divertir, brincar, amar, estudar, conhecer, elogiar, respeitar, compartilhar bons sentimentos... Nutrindo o prazer, o padecimento diminui.

Alguns autores da psicologia assumem que a mulher executa duas grandes tarefas como mãe: a primeira é estabelecer uma unidade com seu filho de forma harmônica; a segunda é dissolver essa ligação, de forma igualmente harmônica, posteriormente. A relação mãe-criança é marcada por um envolvimento intenso entre esses dois elementos, ou seja, mãe e criança estão sempre envolvidas uma com a outra, mesmo quando estão separadas fisicamente. No entanto, é necessário que haja espaço nessa relação para o “des-envolvimento”, tanto da mãe quanto da criança.

Ao longo da relação com a criança, e nesse processo de ligação e desligamento, as tendências instintivas de cuidado, tão importantes quando a mãe relaciona-se com seu bebê, transformam-se em ternura maternal. A agressividade, necessária para afastar predadores, no caso da espécie humana transforma-se em atividade protetora. Além disso, a necessidade que todos temos de sermos amados é satisfeita nessa relação: mãe-amor-criança, que se retroalimenta.

Dessa forma, podemos dizer que a experiência de ser mãe é com certeza a mais transformadora na vida de uma mulher. E nós merecemos um dia para comemorar essa transformação não só por que nos sacrificamos ou padecemos, como dizem os ditados, mas porque somos fortes, guerreiras, sensíveis, amorosas, protetoras... Por que buscamos conhecer nossos filhos, respeitá-los, estimulá-los em suas boas inclinações, corrigí-los nas más inclinações. Merecemos comemorar o dia das mães porque, quando nos tornamos uma mãe, nascemos novamente, junto com nossos filhos!

Então, queridas mamães, um feliz e abençoado dia das mães para nós! Parabéns pela coragem, pela persistência e pelo amor que nos faz tão importantes na vida do nossos filhos!

Yvanna A. Gadelha Sarmet
Super Infância Psicologia Infantil
Maio/2008

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